O REI MENINO

 

 

O estandarte do Rei não é de púrpura e brocado,
é um lírio flutuante sobre o caos,
onde ambições se digladiam
e ódios se estraçalham.
O Rei vem cumprir o anúncio de Isaías:

vem para evangelizar os brutos,
consolar os que choram,
exaltar os cobertos de cinza,
desentranhar o sentido exato da paz,
magnificar a justiça.

Entre Belém e Judá e Wall Street,
no torvelinho de negações e equívocos,
a vergasta de luz deixa atônitos os fariseus. 
Cegos distinguem o sinal,

surdos captam a melodia de anjos-cantadores,
mudos descobrem o movimento da palavra.

O Rei sem manto e sem jóias,
nu como folha de erva,
distribui riquezas não tituladas.
Oferece a transparência
da alma liberta de cuidados vis.

As coisas já não são as antigas coisas
de perecível beleza
e o homem não é mais cativo de sua sombra.
A limitação dos seres foi vencida
Por uma alegria não censurada,
graça de reinventar a Terra,
antes castigo e exílio,
hoje flecha em direção infinita.

O Rei, criança,
permanecerá criança mesmo sob vestes trágicas
porque assim o vimos e queremos,
assim nos curvamos diante do seu berço
tecido de palha, vento e ar.

Seu sangrento destino prefixado não dilui
a luminosidade desta cena.
O menino, apenas um menino,
acima das filosofias, da cibernética e dos dólares,
sustenta o peso do mundo
na palma ingênua das mãos.

Farewell, de Carlos Drummond de Andrade)

 

 

 

* * *   * * *   * * *   * * *   * * *   * * *   * * *

anterior índice próxima