O POVOADO DOS MOINHOS
diálogo entre o ancião e o viajante
Diálogo reproduzido do último conto do filme "SONHOS" de AKIRA KUROSAWA (Akira Kurosawa’s Dreams), denominado O POVOADO DOS MOINHOS ( Village of the Watermills).
Viajante
– Qual o nome deste povoado?
Ancião
– Não tem.
Só chamamos de “O Povoado”. Alguns chamam de Povoado do Moinho.
Viajante
– Todos os habitantes moram aqui?
Ancião
– Não. Moram em outros lugares.
Viajante
– Não há eletricidade aqui?
Ancião
– Não precisamos. As pessoas acostumam-se ao conforto. Acham que o conforto é
melhor. Rejeitam o que é realmente bom.
Viajante
– Mas, e as luzes?
Ancião
– Temos velas e óleo de linhaça.
Viajante
– Mas a noite é tão escura.
Ancião
– É. Assim é a noite. Por que a noite deveria ser clara como o dia? Eu não ia
querer noites claras, que não deixassem ver estrelas.
Viajante
– O senhor tem arrozais. Mas não tem tratores para cultivá-los?
Ancião
– Não precisamos. Temos vacas, temos cavalos.
Viajante
– O que usa como combustível?
Ancião
– Lenha, na maioria das vezes. Não achamos direito cortar árvores, e muitos
galhos caem sozinhos. Cortamos e usamos como lenha. E para carvão de madeira,
poucas árvores aquecem tanto quanto uma floresta. Também estrume de vaca dá bom
combustível. Gostamos de viver respeitando a natureza. As pessoas, hoje,
esqueceram que são apenas parte da natureza. Mas destroem a natureza da qual
dependem nossas vidas. Elas sempre acham que podem fazer melhor. Especialmente
os cientistas. Podem ser inteligentes, mas não compreendem o verdadeiro
significado da natureza. Só inventam coisas que tornam as pessoas infelizes. Mas
têm tanto orgulho das invenções deles. Pior é que muita gente também se orgulha.
Encaram-nas como milagres. Idolatram-nas. Não percebem, mas estão perdendo a
natureza. E, como conseqüência, vão morrer. As coisas mais importantes para o
ser humano são ar puro e água limpa, as árvores e grama que os produzem. Tudo
está sendo poluído, e perdido para sempre. Ar sujo, água suja, sujando os
corações dos homens.
Viajante
– Vindo para cá, vi algumas crianças colocando flores em uma pedra ao lado da
ponte. Por quê?
Ancião
– Ah, isso. Meu pai me contou uma vez. Há muito tempo, acharam um viajante
morto, perto da ponte. Os aldeões ficaram com pena e o enterraram lá. Colocaram
uma pedra na tumba dele e puseram flores. Tornou-se um costume colocar flores
lá. Não só as crianças. Todos os aldeões colocam flores quando passam, embora a
maioria não saiba por quê.
Viajante
– Há um festival hoje? (ouvindo uma festividade aproximando-se).
Ancião
– Não, é um funeral. Acha estranho? Um funeral é sempre agradável. Viver bem,
trabalhar bem e morrer com agradecimentos é louvável. Não temos templos nem
sacerdotes aqui. Assim, os próprios aldeões levam os mortos até o cemitério da
colina. Mas não gostamos quando jovens e crianças morrem. É difícil comemorar
tal perda. Mas, felizmente, as pessoas deste povoado levam uma vida natural.
Então, morrem de acordo com a idade. A anciã que vai ser enterrada viveu
gloriosamente os 99 anos. Agora, vou unir-me ao cortejo. Com licença. Na
verdade, ela foi o meu primeiro amor. Mas ela partiu meu coração e me trocou por
outro.
- Ha!
Ha! Ha! Ha! Ha!
Viajante – A propósito,
quantos anos tem?
Ancião
– Eu?
Cem... mais três. Boa idade para parar de viver. Uns dizem que a vida é
sofrimento. Isso é bobagem. Sinceramente, é bom estar vivo. É emocionante.
(O ancião dirige-se à estrada, seguido pelo viajante, para juntar-se ao cortejo
festivo. Cumprimenta cordialmente o viajante e une-se aos outros aldeões em
festa. O viajante assiste admirado o cortejo passar e, antes de retirar-se da
aldeia, deposita flores na pedra do túmulo do viajante morto. A paisagem é
indescritivelmente bela... E os moinhos, girando no ritmo da correnteza do rio,
expressam o ritmo da vida).
A Natureza é Deus.
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